Novos
estudos mostram que o luto é um processo mais complexo – e muitas vezes mais
rápido – do que se imaginava. De onde vem a força do ser humano para superar a
dor?
Marcela Buscato
Marilena
Fernandes achava que estava começando a redescobrir a vida, nove anos depois da
morte do marido, quando um acidente de carro lhe roubou o filho Paulo, de 20
anos. Ela decidiu abrir as cortinas de casa e enchê-la de flores. Não queria
que os três outros filhos levassem uma vida amargurada. Desde então – e lá se
vão cinco anos – desfila suas alegrias e tristezas todo ano em uma escola de
samba. Alice Quadrado transformou o pesar causado pela morte da filha Eliana,
aos 25 anos, em vontade de ajudar. Percebeu quanto outros pais que passavam por
essa situação se sentiam sozinhos. Fundou a associação Casulo, onde uns apoiam
os outros e encontram forças para seguir em frente. “Foi a maneira que
encontrei para dar significado a algo de muito ruim”, diz. Marilena e Alice
descobriram o que existe além de uma das piores dores a que os seres humanos
estão sujeitos: perder um filho.
“Já
enterrei amigos, irmãos, mãe. Nada se compara à perda de uma filha”, diz Ana
Cristina de Freitas Rocha, de 57 anos, mãe de Tatiana. A jovem de 20 anos
morreu em 2005, de uma infecção generalizada diagnosticada tarde demais. “Essa
dor é hors-concours”, diz Ana Cristina, usando uma expressão francesa que
significa “fora de competição”. É justamente essa avalanche de sentimentos, que
atinge quem perde alguém amado, que os cientistas têm tentado revolver. A quem
viveu grandes tragédias pessoais, fizeram a mesma pergunta que nos ocorre ao
conhecer histórias como as descritas nesta reportagem: como é possível superar
a dor que tanto tememos? Nós seríamos capazes?
Há
bons motivos para acreditar que sim. “Somos mais fortes do que pensávamos”,
afirma o psicólogo americano George Bonanno, pesquisador da Universidade
Colúmbia, nos Estados Unidos, e referência no estudo de fenômenos ligados à
morte. Em seu livro The other side of sadness (O outro lado da tristeza, ainda
sem tradução no Brasil), Bonanno compilou uma série de estudos recentes que
obrigaram os especialistas a repensar o que se sabe sobre como reagimos à
morte.
Esses
estudos parecem mostrar que a maior parte das pessoas consegue se refazer de
uma perda rapidamente, às vezes em questão de semanas. E sugerem que não existe
um roteiro de emoções a serem sentidas para que a superação aconteça. No
depoimento da página 84, Ana Carolina de Oliveira, a mãe da menina Isabella
Nardoni, relata como cada membro da família superou de forma diferente a perda
da menina.
Até
recentemente, a teoria mais difundida para explicar a reação humana à morte era
a dos “cinco estágios do luto”, desenvolvida pela psiquiatra suíça Elizabeth
Kübler-Ross, em 1969. Ela apregoa que, até superar uma perda, as pessoas
enlutadas passam por fases sucessivas de negação, raiva, barganha, depressão e
aceitação. Essa teoria entrou até para a cultura pop: foi tema de um episódio
recente do seriado americano Grey’s anatomy e serviu como conteúdo ilustrativo
para demonstrar o funcionamento do novo aparelho da Apple, o iPad. Kübler-Ross
teve o mérito de chamar a atenção para um assunto até então ignorado, mas seu
pioneirismo não foi seguido pela publicação de novos estudos.
Na
década de 90, a geração de novatos à qual pertencia Bonanno notou as lacunas no
conhecimento sobre o luto e desencadeou uma onda de estudos. “Chegamos a
conclusões surpreendentes, simplesmente porque fizemos perguntas básicas que
ninguém tinha feito”, diz Bonanno. Percebeu-se que os escassos estudos
anteriores eram feitos com voluntários que haviam procurado ajuda de
psiquiatras e psicólogos – logo, tinham mais dificuldades que a média para
lidar com o luto, o que distorcia os resultados.
O
próprio modelo dos cinco estágios do luto é um exemplo. Kübler-Ross tinha
desenvolvido sua teoria observando o comportamento de pacientes com doenças
terminais, o que não corresponde necessariamente à reação a outros tipos de
morte. Mesmo as fases de negação, raiva, barganha, depressão e aceitação foram
definidas a partir da interpretação subjetiva de Kübler-Ross e seus colegas das
entrevistas com os pacientes. Até o fim da vida, em 2004, Kübler-Ross disse que
sua pesquisa não havia sido bem entendida e que nunca dissera que essas cinco
fases se aplicam a todos os casos nem que eram nitidamente separadas. Mas, ante
a vontade de entender a inquietação humana diante da morte, sua teoria era irresistivelmente
simplificadora.
Os
novos estudos, com uma gama mais ampla de pessoas, concluíram que há outras
maneiras de lidar com a morte de quem amamos. “Cerca de metade das pessoas lida
muito bem com a perda e volta à vida normal em semanas”, diz Bonanno, que
analisou uma série de levantamentos para chegar a essas estatísticas de
referência. “Outros 25% sofrem por um período maior, que pode durar de alguns
meses até um ano. Cerca de 15% desenvolvem graves dificuldades que afetam a
convivência social e o desempenho no trabalho.”
A
morte de 3 mil pessoas nos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, nos
Estados Unidos, teve um papel inesperado no novo entendimento da ciência sobre
a morte. O trauma redespertou o interesse da ciência pelo tema e impulsionou
uma série de estudos que acompanharam a recuperação dos moradores de Nova York.
Os resultados foram surpreendentes. Apenas seis meses após a tragédia, 65% das
pessoas entrevistadas mostravam-se emocionalmente equilibradas. Essa taxa era
alta até entre aquelas que perderam um amigo ou um parente na tragédia: 54% não
tiveram a saúde emocional abalada, 35% já tinham se recuperado depois de
desenvolver algum tipo de trauma e apenas 11% ainda enfrentavam dificuldades
para se recuperar. As proporções, semelhantes àquelas encontradas por Bonanno e
seus colegas em seus primeiros estudos, ajudaram a consolidar o nome que se deu
ao outro lado da tristeza: resiliência.
Os
rostos que ilustram esta reportagem fazem parte dessa maioria à qual os
especialistas chamam de “resilientes”. O termo, emprestado da física, traduz em
sentido figurado o que ocorre com quem supera uma perda: é a propriedade que
alguns corpos apresentam de retornar à forma original depois de sofrer um
impacto. Isso não significa que não houve sofrimento ou que foi fácil. Em
comum, os resilientes têm a decisão de continuar a viver – conscientemente,
como Ana Cristina, ou de forma inconsciente, como Maria de Fátima Ferreira, que
enfrentou um câncer de mama na mesma época da morte do filho Francesco, de 21
anos, em 2004. “As pessoas achavam que eu não ia aguentar. Eu achava que ia
morrer junto”, diz. Mas ela venceu. Há quatro meses foi declarada curada pelos
médicos.
Os
cientistas acreditam que somos capazes de reações como a de Maria de Fátima –
inexplicáveis até para ela – porque já nascemos dotados dessa capacidade de
superação. Nossos genes e circuitos cerebrais teriam sido programados, ao longo
de milhares de anos de evolução, para contornar o abalo provocado pela morte de
pessoas com quem temos fortes vínculos emocionais. A depressão, descrita por
Maria de Fátima e por outros milhares de pessoas que viveram uma tragédia,
faria parte dessa estratégia. A tristeza causa uma sensação de torpor: o mundo
parece estar em câmera lenta; perdem-se a fome, o desejo sexual e a vontade de
viver. Essa prostração nos impediria de tomar decisões e atitudes que coloquem
a própria sobrevivência em risco durante esse período. Hoje, essa função da
tristeza pode parecer banal. Mas, quando nossos antepassados eram nômades, até
10 mil anos atrás, a sensação de torpor era uma questão de sobrevivência.
Podia
impedir que alguém entrasse por impulso em uma disputa por comida e apenas no
decorrer dela se lembrasse de que seu parceiro não estaria por perto para lhe
dar apoio. O período de depressão corresponderia ao período de atualização de
nossos circuitos cerebrais a essa nova realidade.
A
prostração soa como uma estratégia ruim de sobrevivência para nossos
antepassados, às voltas com a luta diária pela vida. Mas, se ela for contrabalançada
por oscilações entre depressão e otimismo, passa a fazer sentido. Quem já
enfrentou a morte de alguém próximo sabe que o luto não é tristeza 24 horas por
dia, sete dias por semana. Há dias em que mergulhamos no mais profundo pesar.
Em outros, a vida parece ter voltado ao normal e há até momentos de genuína
alegria. A teoria dos cinco estágios do luto, mostram os estudos recentes, é
insatisfatória, definindo como lineares fases que são, na verdade, cíclicas.
Se o
luto não é necessariamente tão sofrido quanto se imaginava, se a maioria
consegue superar bem uma perda, por que algumas pessoas enfrentam tanta
dificuldade? Os 15% estimados por Bonanno passam anos vivendo como nos
primeiros e mais difíceis momentos do luto. Essas pessoas não conseguem retomar
a vida. Vivem para a dor, em uma espécie de luto crônico, chamado pelos
especialistas de “luto patológico” ou “luto complicado”. Além de prejudicar a
qualidade de vida, ele aumenta os riscos de desenvolver desordens como
depressão grave e transtornos de ansiedade. Um estudo da Universidade Yale, nos
Estados Unidos, mostrou que esses enlutados crônicos correm um risco sete vezes
maior de se suicidar.
A
psicóloga americana Mary-Frances O’Connor, da Universidade da Califórnia em Los
Angeles, deu um passo importante na investigação das causas do luto complicado.
Ela pediu a mulheres que haviam perdido a mãe ou a irmã por câncer de mama que
fizessem um exame de ressonância magnética enquanto observavam uma fotografia
do parente que haviam perdido. Áreas do cérebro associadas à sensação de dor
eram ativadas tanto nas voluntárias resilientes quanto nas que tinham sintomas
de luto prolongado. Mas nas mulheres que não conseguiam superar o luto também
era ativada uma área do cérebro ligada ao sistema de recompensa, o responsável
pela sensação de prazer, chamada “núcleo accumbens”. “Isso significa que as
pessoas resilientes parecem processar a perda de uma maneira rápida e eficaz”,
afirma Mary-Frances.
Os
pesquisadores acreditam que os genes que regulam nossas respostas ao estresse
ajudam a determinar se uma pessoa terá uma personalidade mais ou menos sensível
a situações que geram ansiedade. Um desses genes, conhecido por 5HTT, está
associado à fabricação da molécula que bombeia para os neurônios a serotonina –
substância que transmite as informações entre as células do cérebro. Há duas
versões desse gene. Uma produz mais moléculas transportadoras de serotonina, o
que estaria ligado a uma personalidade mais estável e equilibrada. A outra
versão aumentaria a excitabilidade da amígdala, uma área do cérebro associada
ao medo e às emoções. “Mais de 50 estudos já avaliaram esse gene e 70% deles
mostraram que uma das versões torna a pessoa mais sensível a situações
estressantes”, afirma a psicóloga Terrie Moffitt, pesquisadora da Universidade
Duke, nos Estados Unidos, e autora de alguns desses estudos.
O
5HTT, sozinho, não explicaria tudo. Há no mínimo dezenas de outras variações
genéticas que contribuem para nosso limiar de ansiedade. E os fatores
ambientais são determinantes. “A reação de uma pessoa à morte sempre depende do
contexto”, afirma a psicóloga Cristina Moura, pesquisadora da Universidade de
Brasília. Por exemplo, a distância física da pessoa morta ou a surpresa por uma
morte repentina e inesperada.
O luto
complicado pode vir a ser incluído pela Associação Americana de Psiquiatria na
lista de doenças reconhecidas pela entidade, em uma revisão a ser publicada em
2013. O principal obstáculo é a dificuldade de distingui-lo do luto “comum”. Em
ambos, há falta de energia, crises de choro, perda de apetite, tendência ao
isolamento. A diferença é que nos casos patológicos esses sintomas vão se
agravando. “Esse reconhecimento é importante porque as pessoas precisam
entender que o luto prolongado é um problema específico e precisa de tratamento
especializado”, afirma a epidemiologista Holly Prigerson, coordenadora da
equipe do Dana-Faber Cancer Institute, que está estudando uma forma de definir
claramente o que é o luto prolongado.
Holly
toca em um ponto ainda delicado para a ciência do luto: até que ponto uma
pessoa enlutada precisa de ajuda psicológica para seguir adiante? A teoria dos
cinco estágios do luto, que influenciou e ainda influencia especialistas, levou
pessoas que estavam reagindo de maneira natural a ser vistas como problemáticas
– e compelidas por parentes e amigos a buscar tratamento psicológico. O assunto
é polêmico, mas alguns pesquisadores acreditam que há casos em que a terapia
pode fazer mais mal que bem. Alguns estudos mostraram que pacientes que haviam
lidado bem com o luto e começaram uma terapia passaram a acreditar ser
insensíveis – afinal, não sofriam como as pessoas achavam que eles deveriam.
Outros começaram a se questionar se realmente queriam bem a quem morreu. Todos
se sentiam na obrigação de sofrer e se empenharam na tarefa. Com base nesses
estudos, o psicólogo Scott Lilienfeld, da Universidade Emory, nos Estados
Unidos, incluiu a terapia para casos de luto em uma lista de tratamentos
potencialmente perigosos. “Se há a possibilidade de a terapia suscitar efeitos
negativos, é melhor implementá-la com precaução”, escreve Lilienfeld em seu
artigo na publicação científica Perspectives on Psychological Science. A
metodologia das pesquisas que levaram Lilienfeld a essa conclusão é discutível.
Muitas não especificam qual linha de terapia foi foco do estudo nem quais eram
os parâmetros para estabelecer se o paciente melhorou ou piorou.
Como
em todo tratamento psicológico, o resultado depende da disposição do paciente.
“Nenhuma terapia é eficaz se a pessoa acredita que não precisa de ajuda e não
coopera. Nem todo mundo precisa de ajuda”, diz a psicóloga Maria Júlia Kovács,
coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte da Universidade de São
Paulo.
Também
existem estudos em favor da terapia. O psicólogo Julio Peres é um dos poucos no
Brasil a estudar seus efeitos sobre o cérebro de pessoas que passaram por
situações traumáticas. Ao submeter 16 pacientes a tomografias, após oito
sessões de terapia, Peres percebeu que a atividade cerebral, enquanto eles
recordavam a experiência, havia aumentado no córtex pré-frontal e diminuído na
amígdala. As conclusões são significativas porque o primeiro é a área do
cérebro encarregada do raciocínio lógico e da categorização das experiências e
a segunda está relacionada a nossas respostas emocionais. “As terapias de fala,
como a cognitiva e a psicanalítica, obrigam a pessoa a organizar suas
experiências”, afirma Peres. “É como puxar a ponta de um novelo de lã.” Falar
da dor – e estudar como reagimos a ela – ajuda a nos tornar mais tolerantes à
presença da morte a nossa volta.
Matéria publicada
na Revista Época, em 21 de março de 2010.
Leila Henriques* comenta
Chamou-nos
a atenção nesta notícia um termo que já tínhamos visto, sem pararmos para
refletir sobre ele: RESILIÊNCIA.
E
fomos procurar, agora com mais atenção, o seu significado:
“Resiliência
surgiu na física e significa a capacidade humana de superar tudo, tirando
proveito dos sofrimentos, inerentes às dificuldades. É trabalhado em todas as
áreas, como saúde, finanças, indústria, sociologia, e psicologia. Embora seja
um assunto muito recente entre nós, já é trabalhado há anos na América do
Norte, com sucesso”.
A
física nos diz que resiliência é a propriedade que alguns corpos apresentam de
retornar à forma original depois de sofrer um impacto.
Estudos
mostram que todo ser humano traz em si essa capacidade de resiliência, mas nem
todos de forma igual.
Enquanto
uns superam sozinhos o impacto de seus sofrimentos, outros precisam de ajuda
externa para essa superação.
Fátima
Salgado, em seu artigo “A resiliência na visão espírita”, nos lembra que Joanna
de Ângelis, no livro O despertar do Espírito (p. 173), nos
esclarece que “essa força para o crescimento, haure-a ele (o espírito) na
realidade de si mesmo, ínsita nos painéis profundos da sua essencialidade”.
Entendemos,
com Joanna, que, ao nos criar, a Inteligência Suprema, Causa Primária de Todas
as Coisas, providenciou-nos essa “resiliência” que agora os Cientistas
descobrem e analisam.
Mas
este Criador fez algo mais: não nos deu apenas a capacidade de voltarmos à
nossa condição anterior ao impacto sofrido. Ele nos deu a condição de voltarmos
transformados pela experiência, pois colocou em cada experiência que suas
criaturas deveriam viver o objetivo de algo ensinar, proporcionando o ensejo de
mudar o que precisa ser mudado com a nova noção aprendida.
O
Espírito é um resiliente que volta à forma anterior, mas que jamais esta forma
será a mesma, pois estará modificada pela lei do progresso, que é a que
“detona” a transformação observada na “volta” do resiliente.
Muito
interessante essa abordagem da vida depois da morte, porque este assunto sempre
nos remete aos problemas ou experiências vivenciadas pelo Espírito que
desencarnou.
Mas
aqui o foco não é aquele que se foi, mas aquele que ficou depois que viu
partir, pelas portas do que convencionou-se chamar-se morte, um ente muito
caro.
É a
abordagem da dor e do espanto ao se constatar a transitoriedade da vida física,
embora ela assim o seja para todos nós, mas sempre achamos que não deveria ser
para os que amamos.
Sempre
temos que correr para a Doutrina Espírita quando o assunto é MORTE, pois não há
maior autoridade no assunto do que ela. Mas para sermos fiéis aos seus ensinos,
teríamos que desdobrar toda a codificação aqui, o que não é o caso.
Assim,
obedecendo à característica deste trabalho, que é abordar de forma leve e
resumida, à luz do Espiritismo, um assunto veiculado na mídia, vamos ficar com
apenas uma pequena definição do Espírito Meimei, passada a nós pela mediunidade
de Francisco Cândido Xavier: “A morte é uma ilusão entre duas expressões da
mesma vida”.
É
tão bela e profunda essa conclusão de Meimei, que merece a nossa reflexão.
* Leila Henriques é espírita e
colabora na divulgação da Doutrina Espírita na Internet.
Fonte: Espiritismo.net
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