FRAUDE NO LEITE? MAIS UM
"ESCÂNDALO"?
Só descobriram mais esse escândalo dos 300 mil litros de leite
aditivados com formol, soda cáustica e água oxigenada, porque o
Ministério Público do Rio Grande do Sul não parou de olhar o que fazem ao leite
naquele Estado, desde os outros escândalos. Aliás, faço um parêntesis para
expressar meu espanto pelo uso da palavra escândalo, pois, do grego, ela quer
dizer alguma coisa feita contrariamente à moral ou aos costumes vigentes.
Contaminar o leite com tudo quanto é nocivo, dando-se de comer à vaca o que por
natureza ela jamais buscaria comer, tudo em nome da alta produtividade, é a
regra, não uma exceção. A exceção é o povo tomar conhecimento disso.
Não vejo nenhum zelo fiscal nos demais Estados.
Gostaria de ver notícias tais: fiscalizamos tantos milhões de litros de leites
distribuídos e não encontramos nenhum contaminado, a não ser pelo que se dá de
comer e beber à vaca... Então, podemos imaginar, dado que o próprio IBGE admite
que de cada 100 litros de leite consumidos no Brasil em torno de 40 (acho
generoso esse número) não passa por qualquer tipo de fiscalização, além do pus,
sangue, antibióticos, pesticidas, metais pesados, cálcio em excesso, gordura e
colesterol, lactose, proteínas cancerígenas, quanto não andam a ingerir os
galactômanos, em seu "leitinho" e "queijinho",
"sorvetinho" e "tortinha", sim, no diminutivo, porque leite
é coisa de bebês que o sugam do corpo de suas mães, não do corpo da mãe de
bichos de outras espécies, de soda cáustica, formol e água oxigenada... aliás,
essa eu usava quando menina para dissolver pus nas feridas. Já, soda cáustica,
usávamos para fazer sabão da gordura dos porcos mortos para consumo familiar.
Formol eu só fui conhecer na universidade, nos tanques dos biotérios onde
ficavam imersos os cadáveres usados para dissecação. E tudo isso agora faz
parte do leite que as pessoas engolem e nem podem sentir, porque os aromas
estão bem disfarçados em todos os laticínios. Sim, se o aroma fosse o natural,
repugnaria humanos o cheiro do leite da vaca, mesmo da vaca livre de toda
tortura e da comida nojenta que é obrigada a ingerir, cheia de pesticidas,
incluindo o glifosato.
E não falei de tudo o que dão para a vaca comer...
e, que, quando ela encerra a gestação, como ocorre em qualquer fêmea,
magicamente, vira leite. Sim, leite é a face branca do sangue. Esse nutre
dentro do útero. Aquele, fora. Mas por prazo bem determinado. Prorrogar esse
prazo natural é um absurdo e isso, sim, deveria ser considerado, no sentido
grego do termo, um verdadeiro acinte à natureza mamífera.
E não falei da mastite e da laminite, dos gases e
diarreias, do sofrimento atroz das vacas que não aguentam tanta exploração e
secam em duas ou três gestações, sendo então encaminhadas para a câmara de
sangria para virar carne de hambúrguer, cheia também dessa coisarada toda. E
chamam a isso de comida. E me chamam de radical por não enfiar isso para meu
estômago. Tem que ser muito radical para engolir uma fatia de queijo, comer um
sorvete e tomar uma batida com leite, um pedaço de torta. Tem que ser
radicalmente alienado para conseguir engolir tudo isso e ainda ficar
"escandalizado" com notícias de fraudes no leite.
Nunca precisamos de leite de vaca. Se precisássemos
dele teríamos nascido bezerros. O mesmo podemos pensar dos bezerros. Se
precisassem de leite de mulher teriam nascido bebês humanos. Cada fêmea faz o
leite exatamente como aquele bebê, não qualquer de seus irmãos já nascidos ou
por nascer, precisa, muito menos para atender às necessidades nutricionais ou
metabólicas de organismos de outras espécies. Fêmeas podem alimentar filhotes
de outras espécies. Mas isso não quer dizer que filhos de outras espécies devam
depender do leite delas.
Há uma sabedoria incrível no metabolismo da mãe,
que interage com o do bebê no útero e a partir das informações compõe o sangue
para nutrir o rebento lá dentro. Saído do útero, a ligação com a mãe faz com
que seu metabolismo continue a produzir o leite com a quantidade de nutrientes
que o bebê precisa naquela hora. O leite da primeira mamada do dia não é o
mesmo da última mamada. Nem em mulher, nem em vaca. Violamos tudo quando
forçamos as vacas a secretarem dezenas de litros de leite para alimentar
humanos que já desmamaram de suas mães no primeiro ano de vida e assim deveriam
prosseguir. Leite é para quem ainda não tem dentes. Botou dentes é sinal de que
dispensa receber nutrientes do corpo da mãe. Simples assim.
Não há fraudes na composição do leite. O leite é
hoje uma fraude. Tudo o que está nele, vindo da alimentação, da água, do ar,
dos remédios que dão à vaca, porque nenhuma fêmea aguenta tamanha exploração
(dos antes 3 litros de leite que a glândula mamária secretava, hoje extraem com
motores elétricos de 30 a 90 litros por dia, haja tecido para resistir a
tamanho impacto!), é aditivo que a natureza jamais desenhou para estar ali, no
alimento destinado a suprir o bebê recém-nascido bovino. E dão isso para as
mães humanas que secretam tudo no seu leite, e dão isso diretamente para os
bebês humanos. E a radical sou eu? Vai faltar perdão!
Doutora em Teoria Política e Filosofia Moral, pela
Universidade de Konstanz, Alemanha (1991). Co-fundadora do Núcleo de Estudos
Interdisciplinares sobre a Violência (UFSC, 1993). Ex-voluntária do Centro de
Direitos Humanos da Grande Florianópolis (1997-2000). Autora dos livros,
"Ética e Experimentação Animal - fundamentos abolicionistas" (Edufsc,
2006); "Por uma questão de princípios" (Boiteux, 2003). Co-autora de
"A violência das mortes por decreto" (Edufsc, 1998), "O corpo
violentado" (Edufsc, 1998),"Justiça como Eqüidade" (Insular,
1998, esgotado). Colaboradora nas coletâneas, "Instrumento Animal"
(Canal 6, 2007), "Éticas e políticas ambientais" (Lisboa, 2004),
"O utilitarismo em foco" (Edufsc, 2007), "Filosofia e Direitos
Humanos" (Editora UFC, 2006), "Tendências da ética contemporânea"
(Vozes, 2000). Autora de dezenas de artigos editados nos sítios: http://www.svb.org.br/; http://www.pensataanimal.net/;
e na Revista Ethic@ (http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/). Coordena o Laboratório de
Ética Prática, do Departamento de Filosofia da UFSC, é professora e
pesquisadora do Programa de graduação Doutorado Interdisciplinar em Ciências
Humanas, da UFSC. Membro Permanente do Centro de Filosofia da Universidade de
Lisboa e do Bioethics Institute da Fundação Luso-americana para o
Desenvolvimento, Lisboa. Coordena o Projeto de pesquisa: Feminismo
ecoanimalista: contribuições para a superação da violência e discriminação
especistas, revisando a literatura sobre defesa de animais e ecossistemas
produzida por mulheres (Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas, UFSC,
2009-2011). Membro fundador da Sociedade Vegana.
Link para C. Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4781199P4
Olhar Animal - www.olharanimal.net