quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

NA SAÍDA DO PRÉDIO






Na saída do meu prédio, sempre piso em pratinhos de água e restos de comida, destinados por algum vizinho a um cachorro de rua.
Molho a bainha da calça, espirro polenta na roupa, mas o incômodo físico é o de menos.
Pressinto uma falsidade involuntária na assistência.
Quando criança, era natural oferecer, totalmente escondido, leite para ninhada de gatos, até os pais admitirem sua entrada em nossa vida.
O cenário diante do meu condomínio é outro: adultos repassam comida sigilosamente sem nenhum motivo. Escondem de quem? De si?
Por que o tráfico de ternura?
Toda manhã, a refeição é renovada e o coitado do bicho comparece para matar a fome e a sede. Só que ninguém mata sua orfandade.
O que sugere ser uma boa ação, na minha crença, é crueldade.
É trazer o cãozinho para perto e não permitir-lhe entrar. É oferecer a isca e abandoná-lo. É fingir que preserva sua saúde durante alguns minutos para largá-lo à sorte no restante do dia.
É criar uma série de mendigos de quatro patas aguardando a esmola da entrada.
Cada morador que entra no conjunto residencial recebe uma mirada funda, triste, implacável.
O olhar canino tem carências de chapéu – e o coração se contrai como niqueleira vazia.
O animal não se vê recompensado e satisfeito, mas viciado e perdido. Suga as nossas sobrancelhas. Abana o rabo por qualquer contração do rosto, na expectativa de uma família adotiva.
Está sendo torturado: não sabe como agir para ser aceito, não sabe se deve ficar imponente de vigília ou desaparecer discretamente e retornar no sol seguinte.
Ele se frustra perante a porção. Não tem um afago demorado, sinal de permanência, um assobio confiante para libertá-lo.
Quem alimenta no portão está se enganando e enganando o bichinho.
Não tem coragem de colocá-lo em sua sala, em sua cozinha e integrá-lo definitivamente a um teto.
Faz de conta que ama e se preocupa, porém recusa o trabalho inteiro de recuperação e treinamento.
É um cumprimento de mão frouxa. Mantém próximo, jamais protegido.
Não existe generosidade parcelada, é uma prestação única e à vista.
Desse jeito, é ajudar para receber o título de bondoso, nunca porque deseja realmente ajudar.
Oferecer sobras é assistencialismo, é populismo, é paliativo.
A responsabilidade é a única caridade por inteiro. O resto é adiamento.
Se quer cuidar do bicho, leve para casa. Dê um lar. Assuma o compromisso do convívio.
É abrir a primeira porta, a porta do meio e a porta de dentro. As três portas que separam a aparência do caráter.

Fabrício Carpinejar