Neurocientista explica por que pesquisadores se
uniram para assinar manifesto que admite a existência da consciência em todos
os mamíferos, aves e outras criaturas, como o polvo, e como essa descoberta
pode impactar a sociedade.
Marco
Túlio Pires
Estruturas
do cérebro responsáveis pela produção da consciência são análogas em humanos e
outros animais, dizem neurocientistas (Thinkstock)
O
neurocientista canadense Philip Low ganhou destaque no noticiário científico
depois deapresentar um projeto em parceria com o físico Stephen Hawking, de 70
anos. Low quer ajudar Hawking, que está completamente paralisado há 40 anos por
causa de uma doença degenerativa, a se comunicar com a mente. Os resultados da
pesquisa foram revelados no último sábado (7) em uma conferência em Cambridge.
Contudo, o principal objetivo do encontro era outro. Nele, neurocientistas de
todo o mundo assinaram um manifesto afirmando que todos os mamíferos, aves e
outras criaturas, incluindo polvos, têm consciência. Stephen Hawking estava
presente no jantar de assinatura do manifesto como convidado de honra.
Philip
Low: "Todos os mamíferos e pássaros têm consciência"
Low
é pesquisador da Universidade Stanford e do MIT (Massachusetts Institute of
Technology), ambos nos Estados Unidos. Ele e mais 25 pesquisadores entendem que
as estruturas cerebrais que produzem a consciência em humanos também existem
nos animais. "As áreas do cérebro que nos distinguem de outros animais não
são as que produzem a consciência", diz Low, que concedeu a seguinte
entrevista ao site de VEJA:
Estudos sobre o comportamento animal já afirmam que
vários animais possuem certo grau de consciência. O que a neurociência diz a
respeito? Descobrimos
que as estruturas que nos distinguem de outros animais, como o córtex cerebral,
não são responsáveis pela manifestação da consciência. Resumidamente, se o
restante do cérebro é responsável pela consciência e essas estruturas são
semelhantes entre seres humanos e outros animais, como mamíferos e pássaros,
concluímos que esses animais também possuem consciência.
Quais animais têm consciência? Sabemos que todos
os mamíferos, todos os pássaros e muitas outras criaturas, como o polvo,
possuem as estruturas nervosas que produzem a consciência. Isso quer dizer que
esses animais sofrem. É uma verdade inconveniente: sempre foi fácil afirmar que
animais não têm consciência. Agora, temos um grupo de neurocientistas
respeitados que estudam o fenômeno da consciência, o comportamento dos animais,
a rede neural, a anatomia e a genética do cérebro. Não é mais possível dizer
que não sabíamos.
É possível medir a similaridade entre a consciência
de mamíferos e pássaros e a dos seres humanos? Isso foi deixado em
aberto pelo manifesto. Não temos uma métrica, dada a natureza da nossa
abordagem. Sabemos que há tipos diferentes de consciência. Podemos dizer,
contudo, que a habilidade de sentir dor e prazer em mamíferos e seres humanos é
muito semelhante.
Que tipo de comportamento animal dá suporte à ideia
de que eles têm consciência? Quando um cachorro está com medo,
sentindo dor, ou feliz em ver seu dono, são ativadas em seu cérebro estruturas
semelhantes às que são ativadas em humanos quando demonstramos medo, dor e
prazer. Um comportamento muito importante é o autorreconhecimento no espelho.
Dentre os animais que conseguem fazer isso, além dos seres humanos, estão os
golfinhos, chimpanzés, bonobos, cães e uma espécie de pássaro chamada
pica-pica.
Quais benefícios poderiam surgir a partir do
entendimento da consciência em animais? Há um pouco de ironia nisso.
Gastamos muito dinheiro tentando encontrar vida inteligente fora do planeta
enquanto estamos cercados de inteligência consciente aqui no planeta. Se
considerarmos que um polvo — que tem 500 milhões de neurônios (os humanos tem
100 bilhões) — consegue produzir consciência, estamos muito mais próximos de
produzir uma consciência sintética do que pensávamos. É muito mais fácil
produzir um modelo com 500 milhões de neurônios do que 100 bilhões. Ou seja,
fazer esses modelos sintéticos poderá ser mais fácil agora.
Qual é a ambição do manifesto? Os neurocientistas
se tornaram militantes do movimento sobre o direito dos animais? É uma questão
delicada. Nosso papel como cientistas não é dizer o que a sociedade deve fazer,
mas tornar público o que enxergamos. A sociedade agora terá uma discussão sobre
o que está acontecendo e poderá decidir formular novas leis, realizar mais
pesquisas para entender a consciência dos animais ou protegê-los de alguma
forma. Nosso papel é reportar os dados.
As conclusões do manifesto tiveram algum impacto
sobre o seu comportamento? Acho que vou virar vegetariano. É impossível
não se sensibilizar com essa nova percepção sobre os animais, em especial sobre
sua experiência do sofrimento. Será difícil, adoro queijo.
O que pode mudar com o impacto dessa descoberta? Os dados são
perturbadores, mas muito importantes. No longo prazo, penso que a sociedade
dependerá menos dos animais. Será melhor para todos. Deixe-me dar um exemplo. O
mundo gasta 20 bilhões de dólares por ano matando 100 milhões de vertebrados em
pesquisas médicas. A probabilidade de um remédio advindo desses estudos ser
testado em humanos (apenas teste, pode ser que nem funcione) é de 6%. É uma
péssima contabilidade. Um primeiro passo é desenvolver abordagens não
invasivas. Não acho ser necessário tirar vidas para estudar a vida. Penso que
precisamos apelar para nossa própria engenhosidade e desenvolver melhores
tecnologias para respeitar a vida dos animais. Temos que colocar a tecnologia
em uma posição em que ela serve nossos ideais, em vez de competir com eles.
July 2012
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